Todo mundo já ouviu falar, ou deveria, da economia prateada, o nome que se dá a todas as atividades econômicas envolvendo pessoas maduras, incluindo fornecedores de produtos e serviços. É o terceiro PIB do mundo, atrás apenas dos EUA e China. E irá passar ambos nas próximas décadas. A economia prateada é gigantesca, tanto em termos demográficos quanto em poder de consumo.
Só que as empresas e os governos ainda não se deram conta disso. E para entender o porquê, precisaremos dar um giro pelo mundo
A proporção de pessoas com mais de 65 anos na Europa foi de 17% em 2022, devendo chegar a 30% em 2045. Os aposentados representam mais de 30% da população total da China, Japão e Coreia do Sul nos dias atuais. As pessoas acima de 60 anos no Brasil representam 15% da população total. Essa proporção irá dobrar até 2050. Na média, uma em cada 6 pessoas no planeta está no grupo dos maduros
O fenômeno do envelhecimento é realçado por outro fator: a baixa taxa de natalidade nos países desenvolvidos e em vários dos países em desenvolvimento. Quando a taxa de natalidade é menor do que 2,1 filhos por casal, a população total começa a diminuir. A taxa de natalidade no Brasil é de 1,65 filho por casal, assim como na Suécia. Na Alemanha é de 1,53, em Portugal de 1,4 e na Itália é de 1,24. Se as pessoas não estivessem vivendo mais, Portugal e Itália ficariam despovoados em poucas décadas.
Os maduros estão se tornando absurdamente importantes do ponto de vista econômico. No primeiro trimestre de 2022, os cidadãos americanos com mais de 70 anos eram donos de 26% de todos os ativos do país. Nos últimos 10 anos, os maduros contribuíram com 50% do crescimento do PIB global, cerca de 30% do aumento da produtividade e 13% do emprego. É muito poder.
Historicamente, as pessoas não têm dado muita atenção aos mais velhos, encarando-os meio que como um fardo para a sociedade e suas próprias famílias. Isso mudou drasticamente, especialmente nas sociedades mais avançadas, onde a expectativa de vida anda batendo lá pela casa dos 85 anos. Como os mais velhos estão ativos e produtivos até depois dos 70 anos, houve um aumento da força de trabalho potencial total em 10% a 15% na Europa. Não dá para desconsiderar o peso econômico desse contingente. Mais gente trabalhando e menos gente consumindo recursos de aposentadoria pública significa mais recolhimento de impostos, mais atividade produtiva e menos gastos públicos. Para regozijo dos governos. Ou, pelo menos, deveria ser.
O legal da economia prateada é que ela não se limita apenas a mais gente com tempo e poder de compra disponíveis. Pela primeira vez na história da humanidade temos situações em que até 5 gerações podem trabalhar juntas. Se já dava briga com 2 gerações, imagina juntar 5. O lado bom é que mais experiência e conhecimento juntos tendem a produzir um mundo melhor.
O High Level Forum on the Silver Economy de 2019, organizado pela Global Coalition on Aging, deu origem a algumas recomendações importantes:
- Repensar o envelhecimento requer uma mudança social, liderada por instituições globais, governos, empresas, sociedades e indivíduos para acabar com os estereótipos etários.
- Todos os empregadores têm a responsabilidade de reformular o ambiente profissional para aproveitar da melhor forma possível as contribuições de várias gerações trabalhando juntas.
- Os sistemas de saúde devem se tornar cada vez mais preventivos, e menos corretivos. Ou seja, melhor do que curar um doente é evitar que ele fique doente.
- Sistemas de proteção e cuidados aos mais velhos são fundamentais não apenas para um envelhecimento saudável, mas também para alimentar a economia prateada.
- Inovação orientada aos mercados e necessidades dos maduros é uma poderosa alavanca de fomento à economia prateada.
Resumo da ópera: existem duas condições gerais a serem cumpridas para permitir o desenvolvimento bem-sucedido da economia prateada:
- Amplo apoio da população às políticas governamentais sobre a terceira idade. A sociedade precisa entender que o conceito de “cidadão idoso” mudou completamente e as pessoas maduras não devem ser vistas como um problema, mas tratadas como cidadãos respeitáveis e contribuindo ativamente com a sociedade e a economia. A consequência natural é o aumento de produtos e serviços que respondam às suas necessidades específicas.
- Ambiente legal e regulatório favorável. As leis, políticas e regulamentos devem ajudar os maduros idosos na manutenção de sua vida plenamente ativa, estimulando o trabalho e emprego. Maduros produtivos são consumidores natos. Considerando que eles não precisam economizar para a velhice ou a escola dos filhos, o estilo de vida hedonista predomina, transformando a economia prateada na meca do consumo.
É simples e óbvio, mas a maior parte dos governos do mundo não faz nada disso. E por uma razão muito simples. Governos são movidos à pressão. Mudanças importantes só ocorrem quando a sociedade se mobiliza. E os maduros não são organizados politicamente em lugar nenhum do planeta, por incrível que pareça
Mesmo na melhor democracia, se os interessados não agirem, pouco será feito para atender a suas demandas. E como não há perspectiva de arrefecimento do processo de envelhecimento mundial, é fundamental que os maduros se tornem politicamente mais ativos e engajados, exigindo as mudanças necessárias para atender às suas preocupações e problemas específicos.
Sem organização política, sem a capacidade de se enxergar como grupo social com necessidades próprias, sem o reconhecimento da própria relevância como consumidores e cidadãos, os maduros continuarão a ser uma força invisível, uma espécie de matéria escura do universo (parêntese para explicar a referência antes que alguém minhoque pensamentos errados: matéria escura é a denominação dada pelos astrônomos a uma grande quantidade de matéria de natureza desconhecida cujo efeito afeta gravitacionalmente a dinâmica das galáxias e do próprio Universo)
A economia prateada só existirá de verdade quando os maduros se entenderem como agentes econômicos de altíssimo valor e poder. Dessa forma se tornarão mercado estruturado e, por consequência, visíveis às empresas. Ou então criarão empresas para darem emprego a si mesmos, como eu fiz.
Fabio Nogueira é CEO do Observatório da Longevidade