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Carta de um Homem Maduro para Si Mesmo

Nasci entre os anos 50 e 60 do século passado. Tive o privilégio de ter acesso à educação e cultura. Cheguei à faculdade e fui além, algo que era quase impossível à maior parte da geração anterior.

Vivi na pele os momentos mais transformadores do século XX no Brasil e no mundo: os Beatles, maio de 68, a minissaia, o início e o fim da ditadura, a hiperinflação, a liberação sexual, o controle de natalidade, a revolução midiática, a explosão das substâncias de potencialização sensorial, a transição do analógico para o digital, a multiplicidade de formatos familiares, a globalização… essa lista não tem fim.

Todas essas experiências se acumulam e moldam a minha forma de entender a realidade social, econômica, cultural e todas as transições e questionamentos que vivemos no presente. São as experiências de vida fazem de nós uma geração inovadora em termos de como lidar com a maturidade e o envelhecimento.

Às vezes a gente se sente como uma geração sanduíche. Há ocasiões em que estamos cuidando tanto de filhos e netos quanto de nossos próprios pais; reconstruindo carreiras aos 50 anos; tendo filhos aos 60; ou casando pela quinta vez. Isso só é possível porque temos energia inesgotável

Não há uma denominação de consenso para nós. Talvez eu me identifique como uma pessoa madura ou sênior. Nunca velho ou idoso. Esses temos são usados na mídia, na publicidade e socialmente de forma tremendamente pejorativa. A idade é um fato mas não me define porque o que realmente importa é como me sinto. E eu me sinto jovem, tanto física quanto intelectual e emocionalmente, em que pese o amadurecimento e bom senso que os anos me trouxeram.

Dificilmente a gente se encaixa na imagem estereotipada que a mídia, a propaganda e a sociedade atribuem aos que estão nos segundos cinquenta anos de vida. A diversidade entre nós é tanta que até cunharam um termo novo. Antes éramos baby boomers. Agora somos perennials. Pelo menos uma parte de nós.

Acredito que posso contribuir com a minha experiência para a sociedade; investi muitos anos em mim mesmo, errei e aprendi, posso ser útil e compartilhar o que sei. Seria doloroso pensar que tanto conhecimento e experiência acumulados acabassem desperdiçados. Porém, mais importante do que compartilhar conhecimentos profissionais, gostaria que as gerações posteriores à minha soubessem como tudo era antes. Facilitaria a elas o trabalho de entender que muito do que acontece hoje se iniciou lá atrás, pelas mãos da minha geração, e elas nem se dão conta.

Algo que me preocupa bastante é a solidão com que vivemos. Ela nos cerca apesar de haver muitas pessoas ao nosso redor e de estarmos conectados com praticamente qualquer um no planeta. Ligações virtuais ajudam, mas nem de longe são suficientes.

É fundamental amar e ser amado. Ter uma perspectiva de futuro com alguém. Compartilhar a vida, os hábitos, as experiências passadas e, principalmente, construir juntos experiências e perspectivas futuras. Manter e alimentar a intensa chama do desejo sexual é algo de que não vou abrir mão nunca. É parte essencial da vida de todos nós, como a minha geração entendeu e fez entender.

A tecnologia não é uma barreira, é uma ferramenta que facilita a vida, permite viver melhor. Minha geração não inventou o smartphone. Inventou o computador, do qual o smartphone é uma simples miniaturização. Nós sabemos intuitivamente o que é lógica booleana, onde o zero representa o falso e o um, o verdadeiro. Se a garotada consultar o Google entenderá que a lógica booleana é o código da vida, e também a essência do código binário que faz todos os computadores do mundo funcionarem.

Não tenho grandes problemas financeiros, nem grandes despesas. Minha casa está paga, meus filhos formados e construindo suas vidas. Mas nem me fale em aposentadoria. Orandum est ut sit mens sana in corpore sano (deve-se pedir em oração que a mente seja sã num corpo são), dizia o retórico romano Juvenal. Se você não mantiver sua cabeça funcionando de forma jovial, sua saúde e sua vida acabarão rapidamente.

Ainda tenho muitos sonhos de consumo. No topo deles está a lista de lugares para os quais pretendo viajar, que é maior do que a lista de lugares já visitados. E não foram poucos. O mundo é mais do que um monte de monumentos para se tirar fotos. Há histórias ali, feitas por gerações de humanos anônimos cujos esforços se imortalizam nos seus legados. É a bagagem de vida que me permite entender a real grandeza de qualquer lugar onde eu esteja, mesmo que seja um deserto. Eu também deixarei um legado. O mais significativo que me for possível.

Valorizo enormemente a família, os amigos e com quem se divide a vida. Família é a base de tudo. Os amigos são nossa rede de suporte. E o companheiro ou companheira traz aquilo que nos falta. Nenhum de nós é pleno e feliz sem alguém junto.

Se os futurólogos de plantão estiverem corretos, mal passei da metade da minha jornada de vida. Considerando que os primeiros 20 anos foram dedicados quase que somente a instalar mentalmente os apps que me permitiram viver a vida adulta, então o que tenho para viver pela frente é mais do que já vivi.

A geração que fez tudo o que está por aí ainda tem muito gás para queimar e muito a surpreender. Passamos por todas as crises econômicas e militares, revoluções sociais, mudanças tecnológicas, alterações comportamentais e prejuízos ambientais possíveis. Fomos protagonistas disso tudo, o que nos faz rir quando a garotada acha que somos conservadores. Mudança é o que nos define. Não temos medo de nada.

Que esses anos venham sem pressa. E esqueça o baby boomer. Agora sou perennial, com orgulho

PS: eu também dei um google pra saber o que é perennial. Vai lá ver. Faz todo sentido

 

Fabio Nogueira é CEO do Observatório da Longevidade

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