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Afrodescendentes 50+: 33 milhões de desconhecidos

Afrodescendentes 50+: um grupo de brasileiros que sofre pelo menos dois tipos de preconceito: o racial e o etário. À metade feminina soma-se o preconceito de gênero. Se o consumidor maduro já é invisível, o afrodescendente 50+ é o invisível do invisível

Entretanto, ele é gigante: são pelo menos 33 milhões de pessoas, com renda estimada em R$ 900 bilhões. Em qualquer lugar do mundo, seria tratado a pão de ló, para usar uma gíria antiga. No Brasil, pouco conhecemos de suas características. Mas alguma coisa sabemos.

O primeiro fator que chama a atenção é o crescimento nominal da população. Os censos indicam, há muitos anos, uma redução na taxa de natalidade brasileira, que hoje está em 1,6 filho por mulher. Taxas nesse patamar conduzem a uma redução da população total, como projeta o IBGE para o futuro próximo. Entretanto, essa dinâmica não é igual em todos os grupos sociais.

A população afrodescendente no Brasil está crescendo em números absolutos e relativos. No censo do ano 2000, 94 milhões de pessoas se autodeclararam brancas, enquanto 78 milhões se autodeclararam afrodescendentes (negras ou pardas, na nomenclatura utilizada pelo IBGE). No último censo, 87 milhões de brasileiros se autodeclararam brancos e 114 milhões se identificaram como afrodescendentes. Desses últimos, 33 milhões tem mais de 50 anos de idade.

Outro aspecto de extrema relevância é que as políticas afirmativas, aliadas a um maior grau de conscientização da sociedade, vêm contribuindo decididamente para o aumento das oportunidades profissionais para os afrodescendentes, o que se reflete em uma continua melhoria da sua renda média. Estes brasileiros têm cada vez mais poder de compra, conduzindo a uma maior propensão a consumir produtos e serviços de valor mais elevado. Claro que as novas oportunidades beneficiam principalmente os mais jovens. De todo modo, ao elevar seu padrão de renda, os mais jovens ajudam seus pais e avós, melhorando a vida de todo o núcleo familiar expandido

É importante notar que a renda de R$ 900 bilhões dos afrodescendentes 50+ se insere em um mercado ainda maior: o dos 57 milhões de brasileiros com mais de 50 anos, com renda total estimada em R$ 2,2 trilhões em 2023. Um mercado gigante dentro de outro mercado ainda maior, ambos desconhecidos

O terceiro ponto a se destacar é que a cultura afrodescendente é cada vez mais visível, valorizada e influente no Brasil. Os afroconsumidores com mais de 50 anos estão cada vez mais conscientes de sua identidade e origens. Na ótica de consumo, é visível o aumento na procura por produtos e serviços que incorporem elementos culturais africanos, ajudando-os a se conectar com suas raízes.

O “Relatório Pessoas Negras no Brasil”, estudo realizado pela Opinion Box em parceria com o Movimento Black Money, mostra que mais da metade dos entrevistados preferem comprar de empresas que apoiam a diversidade racial e 52% dos participantes negros afirmam que já boicotaram empresas envolvidas em escândalos relacionados a casos de racismo.

A pesquisa mostra ainda que 54% dos afrodescendentes consomem produtos ou serviços que valorizem a cultura negra, como a produção de pequenos empreendedores, atividades culturais com representatividade negra e eventos com temática étnico-racial.

Uma pesquisa da McKinsey, de 2022 aponta que os consumidores negros estão dispostos a pagar até 20% a mais pelos produtos e serviços que atendam às suas necessidades. A pesquisa foca o mercado internacional mas não há razão para se crer que o Brasil seja diferente.

Outro exemplo recente de como estas preocupações impulsionam a economia foi a edição brasileira da Africa Fashion Week, evento ocorrido em maio de 2023 e que serviu como uma grande vitrine para marcas brasileiras e africanas lançarem os mais diversos produtos, todos desenvolvidos e orientados a este segmento consumidor. Há uma pujante economia afro, composta por empresários e empreendedores negros, que ainda não ganhou as telas principais dos portais de negócios e notícias.

Com tudo isso acontecendo, é notável a letargia das empresas em identificar e compreender as necessidades das pessoas maduras. A gente nota, nas reuniões que mantemos com executivos das áreas de marketing e inovação de grandes corporações, uma clara dificuldade em “sair da caixinha” e se entender com as demandas de pessoas que sejam diferentes da persona que eles identificam como seus consumidores.

Um exemplo bastante ilustrativo é o curativo do tipo “bandeide” (e aqui vamos usar um neologismo para não ferir direitos de uso de marca). O curativo foi desenvolvido há 100 anos e durante a maior parte desse tempo foi fabricado em apenas uma cor, similar à pele branca, desconsiderando que existem os mais variados tons de pele no planeta. Somente em 2020 surgiram outras variações de cor, ainda assim muito difíceis de serem encontradas nas lojas. Precisou de 100 anos para alguém descobrir o óbvio.

É por essas e outras que, no Brasil, negros, mulheres e pessoas maduras não se sentem devidamente respeitados como consumidores. O reflexo disso está na propaganda: 94% dos afrodescendentes não se sentem representados nela, assim como 93% das mulheres e 76% dos maduros de todas as etnias. É de se perguntar pra que serve a propaganda quando tantas pessoas não se identificam com ela.

Está mais do que na hora de se revolucionar o marketing, a comunicação e o processo de inovação das empresas. Quem esperar muito para enxergar a sociedade brasileira da forma como ela é de fato corre o sério risco de perder o bonde da história. E quebrar.

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