Flower Power foi um movimento de contracultura surgido na Califórnia, na segunda metade dos anos 60, baseado na não-violência, oposição à guerras, menos medo, vida mais feliz e menos foco no trabalho pelo trabalho. Muito do que era contracultura na época acabou sendo assimilado pelo mainstream e hoje, meio século depois, todo mundo fala em vida menos estressante, menos violência e tudo mais
A garotada que deu flores para a polícia no verão do amor na Califórnia, e com isso moldou o pensamento e comportamento de jovens do mundo inteiro, fez parte de uma geração disruptiva. Por não apoiar o estilo de vida baseado no consumo desenfreado, sempre foi estudada mais sob o ponto de vista sociológico do que do marketing. Só que essa geração envelheceu e hoje constitui o grupo etário que mais cresce no mundo, Brasil incluído. São 57 milhões de brasileiros acima de 50 anos. E quase 1 bilhão de pessoas no planeta acima de 60 anos. É tanta gente que não caberia em Marte. Apesar disso, continuam sendo consumidores desconhecidos
Uma pesquisa encomenda pela agência de comunicação Mitel mostrou que, em 2021, apenas 0,0005% dos lançamentos de novos produtos nas áreas de alimentos, bebidas, saúde e higiene visaram diretamente os 50+
Duas razões são apontadas para explicar esse fenômeno. De um lado, o mundo corporativo acredita que lançar produtos para o segmento maduro “envelhece” a marca. Por outro lado, há preconceito do próprio consumidor senior com relação a produtos desenhados especificamente para ele. Afinal, dizem os americanos, ninguém gosta de envelhecer. A turma quer continuar comendo, bebendo e se divertindo do jeito que sempre fez.
Porém, chega uma hora que não dá mais para tampar o sol com a peneira. Esta multidão de seniores dobrará de tamanho em 30 anos, chegando a 2 bilhões de pessoas, ou um quarto da população mundial. A demografia mudou e é hora de todo mundo abrir os olhos e a mente, tanto o mundo corporativo quanto os consumidores.
E aqui começam alguns paradoxos. A geração flower power queria viver na paz e no amor mas não mantiveram um estilo de vida particularmente saudável ao longo desse tempo todo. Então, é super positivo ver cada vez mais maduros se dedicando à atividade física, procurando dormir bem, correndo atrás de alimentação mais natural e menos industrializada, tentando escapar da loucura das grandes cidades e do stress. Na verdade, quando se olha para as famosas blue zones, o que mais se destaca para explicar a longevidade daquelas comunidades são justamente os bons hábitos de vida
A busca por menos artificialismo é reforçada por um outro fenômeno recentemente constatado nos EUA. O complexo médico Michigan Medicine apurou, em sua Pesquisa Nacional sobre Envelhecimento Saudável, que a maior parte dos americanos com mais de 50 anos está buscando reduzir o consumo de medicamentos prescritos, articulando-se um movimento em direção à “desprescrição”. Dois de cada 3 respondentes afirmaram que procuram o conselho do médico antes de abandonar o uso de algum medicamento. O terço restante simplesmente parou de tomar remédio por conta própria.
Está certo que há um exagero no consumo de remédios nos EUA. Essa mesma pesquisa indicou que 82% das pessoas entre 50 e 80 anos de idade tomam pelo menos um medicamento prescrito regularmente. Metade tomam 3 ou mais remédios por dia. Quatro em cada 10 se entopem de vitaminas, minerais e outros tipos de suplementos. Parece que agora a turma cansou de confiar em produtos químicos para resolver todos os seus problemas. É claro que remédios são necessários se você estiver doente. Mas tomar pílula para dormir, acordar, trabalhar, relaxar ou se concentrar é herança dos anos 60, que tornaram remédios e aditivos químicos socialmente mais aceitos. Abandonar remédios é parte do recente processo universal de conscientização rumo a uma vida mais saudável
Tudo isso nos remete ao ponto inicial. Há um gigantesco espaço no mercado para lançamento de novos produtos orientados aos maduros, contanto que eles estejam conectados com seu estilo de vida, perspectiva de uma velhice longa e cheia de energia, seu poder de compra e o enorme desejo de sociabilizar e experimentar situações novas
A grande questão é que ninguém parece conseguir traduzir essa oportunidade na ideação de produtos e serviços. O mundo se habituou a mapear o que os “lançadores de tendências” querem. Todas as ferramentas de análise de comportamento de consumidor parecem direcionadas a identificar o que a garotada de 25 anos deseja. As áreas de marketing e inovação das empresas correm atrás das mudanças de humor e interesse desse frívolo grupo etário. Tudo sempre é pensado a partir da perspectiva do consumidor jovem
Talvez as empresas façam isso porque adolescentes e adultos jovens costumam agir de acordo com a massa. Lança-se um filme, um game, uma série de TV ou uma bebida da moda e o planeta inteiro entra na mesma vibe. Isso não funciona com seniores. Dentro do universo de um bilhão de maduros, tem todo tipo de gosto e interesse e ninguém irá mudar de marca de roupa só porque o amigo resolveu experimentar algo novo. Dá trabalho mapear um consumidor que é bem menos influenciável e manipulável. A chance de errar também é maior. Jovens perdoam lançamentos ruins e dão uma nova chance à empresa. Maduros são mais rígidos em seu julgamento.
Esse é o desafio: temos um grupo etário gigantesco e crescente, herdeiro de uma cultura de inconformismo, com bilhões de dólares no bolso, idade cronológica cada vez mais avançada, idade mental ainda jovem, cheio de energia, cada vez mais interessado em bem-estar, subdividido em inúmeros clusters a partir de estilos de vida completamente novos e pouco conhecidos. Daí a imensa dificuldade para as empresas os atenderem.
E como se tudo isso não bastasse, a edição 2023 da Pesquisa Nacional sobre Uso de Drogas e Saúde, um levantamento anual feito pelo Departamento de Saúde do governo americano, mostrou que o segmento etário cujo consumo de maconha mais vem aumentando na última década é o dos 60+. A taxa de crescimento é três vezes maior do que em qualquer outra faixa etária
A turma do sexo, drogas e rock & roll continua indo muito bem, obrigado. Agora no comando, acrescida de 50 anos de experiência de vida e muito dinheiro no bolso. A revolução prateada em curso pode ser retratada como um estranho transatlântico balançante, colorido e esfumaçado, com atividade abundante, que vem navegando rápido e de forma até agora silenciosa. Assim como nos anos 60, ninguém sabe bem para onde ele vai. Mas quem souber embarcar nele certamente chegará junto